quinta-feira, 29 de setembro de 2016

CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
SOBRE FOTOGRAFIA
SUSAN SONTANG 

HENRI CARTIER-BRESSON - Moscou


A CAVERNA DE PLATÃO

A humanidade permanece irremediavelmente presa
na caverna de Platão, continuando a deliciar-se,
como é seu velho hábito, com meras imagens da verdade.
Mas ser educado por fotografias não é o mesmo
que ser educado por outras imagens mais antigas e mais
artesanais. 
Na realidade, a quantidade de imagens que nos rodeia
e exige a nossa atenção é agora muito maior. O inventário
teve o seu início em 1839, e desde então, tudo, ou quase
tudo, parece ter sido fotografado. Esta insaciabilidade 
do olhar fotográfico altera os termos da reclusão na caverna, o nosso mundo.
Ao ensinarnos um novo código visual, as fotografias
transformam e ampliam as noções do que vale a pena
se olhar, e do que pode ser observado. É uma gramática e,
mais importante ainda, uma ética da visão. 
Por fim, o resultado mais significativo da actividade fotográfica é dar-nos a sensação de que a nossa cabeça
pode conter todo o mundo, como uma antologia de imagens.
Colecionar fotografias é colecionar o mundo. Os filmes
e programas de televisão iluminam os ecrans, vacilam
e desaparecem; mas na fotografia a imagem é também
um objecto, leve, barato e fácil de transportar, acumular
é conservar.
As fotografias são tal vez o mais misterioso de todos 
os objectos que constituem e dão consistência ao ambiente.
A fotografia é um poder, assim como a indistrialização
da máquina fotográfica que permitiu transforma-la num mito
social onde o acto de fotografar, muitas vezes, tem a crueza
de uma violação. Há algo de depredador no ato de fazer
uma foto. Fotografar pessoas é violentá-las, pois as vemos
como jamais se vem a si mesmas, se as conhece 
como nunca poderão se conhecer, transforma as pessoas em objetos que podem ser posuídos simbolicamente.
O feio e o grotesco podem ser comoventes porque 
a atenção do fotógrafo o determina. Assim como todas
as fotografias testemunham a despiadada disolução 
do tempo. É ao mesmo tempo uma pseudo presença
e um signo de ausencia. O tempo acaba por elevar
todas as fotografias, mesmo as mais inexperientes,
ao nível de arte: fotografar é conferir importância.
Não há forma de suprimir a tendencia intrínseca de toda foto
de dar valor aos seus temas, que não dependem do exesso 
das intenções do artista. Elas devem a sua existencia
à cooperação livre (quase mágica, quase acidental)
entre o fotógrafo e o tema.
Concebida como documento social foi um instrumento
da atitude da classe média, ciumenta e tolerante,
curiosa e indiferente, o chamado "humanismo". A câmera
inevitavelmente, revela os rostos como máscaras sociais.
A história da fotografia pode ser vista como a luta entre dois imperativos diferentes: o embelezamento e a veracidade.
A câmera tem determinado o valor das aparencias. A foto
não se limita a mostrar a realidade de modo "realista", 
é a realidade a que se submete a uma avaliação segundo
a fidelidade dos registros. Como cada registro fotográfico
é um mero fragmento, seu peso moral e emocional depende
de onde se insere. Uma fotografia muda segundo o contexto
onde se ve, a sua maior vocação é explicar o homem ao homem.  Com a linguagem se podem elaborar textos
científicos, memorandos burocráticos, cartas de amor, 
listas de supermercado e a Paris de Balzac. Com a fotografia
podem se fazer retratos para passaportes, fotos do tempo, 
imagens pornográficas, raios X, fotografias de bodas
e a Paris de Atget. Ela tem a capacidade peculiar
de transformar todos seus temas em obras de arte.
A foto é uma forma de capturar uma realidade 
que se considera inaccesível, de lhe impor que se detenha.
Amplia uma realidade que se percebe remota. Não podemos
posuir a realidade, mas podemos posuir e ser posuídos por imagens. a fotografia, que tem tantos usos narcisistas,
não se limita a reproduzir o real, também é um instrumento
poderoso para despersonalizar a nossa relação com o mundo; ambos usos são complementários.

dados extraídos da Wikipédia