quinta-feira, 14 de abril de 2016

OS CAYNAS


OS CAYNAS


OS CAYNAS


A noite cobria tudo.
O meu pai estava louco! Ele e todos os meus parentes
acreditavam que eram macacos, assim como a familia
de Urquizo! 
Minha casa tinha se transformado num manicômio.
Foram contagiados pelos outros parentes, sim,
uma influência fatal!
Porém isso não era nada. Aconteceu algo mais atroz
e desolador, um flagelo do destino, a ira de Deus.
Não fora só a minha família que ficara louca. O povoado
inteiro havia enloiquecido.
Ao sair de casa caminhei sem destino, sofrendo choques
e tremores morais tão intensos como nunca sofrera
e que abateram ainda mais os meus sentidos.
As ruas pareciam entaipadas. Por onde andava surgia-me
um transeunte que fatalmente parecia simular 
um antropoide, um personagem mímico. 
A obsessão zoológica regressiva cujo germe nascera 
tempos atrás na cabeça instável de Luís Urquizo,
propagara-se em cada um dos habitantes de Cayna,
sem variar absolutamente de natureza. A mesma idéia
conquistara todos aqueles infelizes. 
Foram todos inoculados no mesmo ponto do cérebro.
Não guardo lembrança de uma noite repleta de tanta tragédia e bestialidade, em cujas margens ásperas
não havia mais luz natural a não ser a dos astros,
já que não avistei luz artificial em ponto algum.
Até o fogo - obra e signo fundamental da humanidade -
havia sido banido dali! Como que através dos domínios
de uma ignorada espécie animal em transição, vegueei
por esse caos lamentável onde não encontrei - por muito
que quisesse e procurasse - nenhuma pessoa livre
desse pesadelo. Tudo indicava que havia desaparecido
dali todo indício de civilização.
Pouco tempo depois de ter saído, devo ter regressado
à minha casa. Parei logo no primeiro corredor. Nem um som,
nem uma respiração. Caminhei pela escuridão compacta
que reinava, segui por um pátio e dei com o corredor da frente.. O que acontecera com o meu pai e toda a minha família?
Certa serenidade invadiu a minha alma. Tinha que procurar
a todo custo minha mãe, vê-la para saber se estava sã
e salva, acariciá-la e ouvi-la chorar de ternura 
ao reconhecer-me, e abafar toda essa vileza. Era preciso
procurar novamente o meu pai. Tal vez todos os outros
gozassem de pleno exercício das suas faculdades mentais.
Oh meu Deus, sim! Enganara-me, sem dúvida, ao pensar
de forma tão simples. Agora, ciente do nervosismo dos
primeiros instantes, e da má disposição em que mergulhara
a minha imaginação excitável para ter levantado 
tão horríveis castelos no ar. E, porventura, podia estar seguro da demência do meu pai?
Uma leve brisa de esperança invadiu o meu interior.
Atravessei a primeira porta que alcancei no meio
da escuridão e ao avançar, sem saber a razão, senti
e titubeava, ao mesmo tempo em que tirava inconscientemente de um dos bolsos uma caixa de fósforos
e acendia a chama.
Esquadrinhei a habitação, quando ouvi alguns passos
que se atropelavam pelos corredores.
O sangue desapareceu do meu corpo, mas não a ponto de deixar apagar a chama que acabara de acender.
Meu pai, tal como o encontrara naquela tarde, apareceu
no umbral da porta seguido de alguns seres sinistros
que rosnavam de forma grotesca. Apagaram de imediato
a luz que eu trazia, e gritaram misteriosamente:
- Luz, luz!.. Uma estrela!
Fiquei paralizado e sem palavra.
Mas, com um gesto intempestivo, consegui reaver
as forças e gritar desesperado:
- Pai! Recorda que sou teu filho! Não estás doente!
Não podes estar doente! Para com este grunhido selvagem!
Não és um macaco! Es um homem, oh, meu pai!
Somos todos homens!
E acendi outro fósforo
Uma gargalhada apunhalou-me o coração. E meu pai falou
com uma lástima dilascerante, pleno de comiseração
infinita:
- Coitado, pensa que é um homem. Está louco...
E fez-se escuridão outra vez.
Arrebatado pelo espanto, distanciei-me do grupo tenebroso,
a cabeça girando...
- Coitado! - exclamaram todos - Está completamente louco!...
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- E aqui estou - acrescentou com pesar o homem
que fizera esta narração curiosa.
Aproximou-se estão um empregado de uniforme amarelo
e fez um gesto para que o seguisse, ao mesmo tempo em que nos saudava, despedindo-se e falando para os lados:
- Boa tarde, agora precisa ir para o seu quarto, boa tarde.
E o narrador demente dessa história desapareceu junto
com o seu enfermeiro que o guiava entre os verdes choupos
do manicômio, enquanto o mar murmurava amargamente
e os pássaros lutavam entre si na espádua agonizante da tarde...

Tradução: Jorge Simões 

OS CAYNAS


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