sexta-feira, 15 de abril de 2016

Luís Urquizo soltou uma gargalhada e, engolindo
a última pólvora do riso, bebeu sofregamente a cerveja.
Colocou o copo vazio sobre o zindo do balcão, quebrou-o
e vociferou:
- Isso não é nada! Cavalguei muitas vezes sobre o lombo
do meu cavalo que caminhava com os quatro cascos negros
sempre em movimento. Oh, o meu soberbo alazão!
É o paquiderme mais extraordinário da terra. 
E mais do que cavalgar surpreende, encanta, causa pavor
o espetáculo simples e puro de linhas e movimentos
que este potro oferece quando está parado numa gravitação impossível sobre a superfície inferior de um plano suspenso no espaço. Não posso contemplá-lo sem sentir-me alterado
e fugir da sua presença, apavorado, como se a garganta
fosse apunhalada.
É admirável! Asemelha-se a uma mosca varejeira,
dessas que pousam nas vigas que equilibram os tetos humildes. Isto é maravilhoso! É sublime e irracional!
Luís Urquizo fala e se entusiasma, o rosto fica marcado,
como se jorrasse sangue, os olhos úmidos. Ele treme,
guilhotina as sílabas, solda e acende adjetivos; 
imita um ginete, ensaia algumas fintas, reforça 
em interjeções glaciais as mais amplas insinuações
da sua voz; gesticula, ergue o braço; ri, é patético, ridículo,
se inspira e se contagia demencialmente.
E acrecenta:
- Vou-me embora - E saiu correndo, saltou o umbral 
da taberna e desapareceu.
- Coitado! - exclamaram em uníssono -.
 Está completamente louco.
Na verdade, Urquizo estava desequilibrado. Não havia
dúvida. O curso posterior da sua conduta confirmou
tudo isso. Aquele homem continuou vendo as coisas
pelo avesso, alterando tudo através dos cinco cristais
baços dos seus sentidos enfermos. As pessoas de Cayna,
o povoado onde habitava, fizeram dele o alvo da curiosidade
cruel e do divertimento cotidiano de adultos e crianças.

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