quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

CASA TOMADA

Como não me lembrar da distribuição da casa!
A sala de jantar, linda sala com gobelins, a biblioteca
e três quartos grandes ficavam na parte mais afastada,
a que dá para a rua Rodriguez Peña. Somente um corredor
com sua maciça porta de mogno isolava essa parte da ala dianteira onde havia um banheiro, a cozinha, nossos quartos
e o salão central, com o qual se comunicavam os quartos e o corredor. Entrava-se na casa por um corredor de azulejos
de Maiorca, e a porta cancela ficava na entrada do salão.
De forma que as pessoas entravam pelo corredor, abriam
a cancela e pasavam para o salão; havia aos lados as portas dos nossos quartos, e na frente o corredor que levava
para a parte mais afastada; avançando pelo corredor
atravessava-se a porta de mogno e um pouco mais além
começava o outro lado da casa, também se podia girar
à esquerda justamente antes da porta e seguir pelo corredor
mais estreito que levava para a cozinha e para o banheiro.
Quando a porta estava aberta, as pessoas percebiam
que a casa era muito grande; porque, do contrário,
dava a impressão de ser um apartamento dos que agora
estão construindo, mal da para mexer-se; Irene e eu vivíamos sempre nessa parte da casa, quase nunca chegávamos além da porta de mogno, a não ser para fazer
a limpeza, pois é incrível como se junta pó nos móveis.
Buenos Aires pode ser uma cidade limpa; mas isso é graças
aos seus habitantes e não a outra coisa. Há poeira demais no ar, mal sopra uma brisa e já se apalpa o pó nos mármores dos consoles e entre os losangos das toalhas
de macramê; dá trabalho tirá-lo bem com o espanador,
ele voa e fica suspenso no ar, um momento depois
se deposita novamente nos móveis e nos pianos.
Lembrarei sempre com toda a clareza porque foi muito
simples e sem circunstâncias inúteis. Irene estava tricotando
no seu quarto, por volta das oito da noite, e de repente
tive a idéia de colocar no fogo a chaleira para o chimarrão.
Andei pelo corredor até ficar de frente à porta de mogno
entreaberta, e fazia a curva que levava para a cozinha
quando ouvi alguma coisa na sala de jantar ou na biblioteca.
O som chegava preciso e surdo, como uma cadeira caindo no tapete ou um abafado sussurro de conversa. Também
o ouvi, ao mesmo tempo ou um segundo depois, no fundo
do corredor que levava daqueles quartos até a porta.
Joguei-me contra a parede antes que fosse tarde demais,
fechei-a de um golpe, apoiando meu corpo; felizmente
a chave estava colocada do nosso lado e também passei 
o grande fecho para mais segurança.

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