domingo, 7 de dezembro de 2014

CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
O CONHECIMENTO SECRETO - III
David Hockney
Pesquisa Sobre Óptica na Arte Ocidental

GIOTTO DI BONDONE - afresco - detalhe


Tal como a maioria dos pintores, imagino, quando observo
pinturas estou tão interessado em "como" foram pintadas
quanto em "o que" dizem ou "por que" foram pintadas (essas
questões, é claro, são relacionadas). Tendo eu próprio 
pelejado para usar a óptica, descobrí que estava agora observando as pinturas de um novo modo. Era capaz de
identificar características ópticas e, para surpresa minha,
podia vê-la na obra de outros artistas - e a coisa remontava
aos anos 1430, ao que parecia. Creio que foi no fim do século XX que isso se tornou evidente. Foi necessária
a tecnologia nova, sobretudo o computador, para vê-lo.
Os computadores deram lugar a impressões coloridas
mais baratas e de melhor qualidade, conduzindo a uma
grande melhora nos últimos 15 anos no padrão de livros
de arte (mesmo 20 anos atrás, a maioria ainda era em
preto e branco). E agora com fotocopiadoras coloridas
e impressoras pessoais qualquer um pode ter acesso
a reproduções baratas mas de boa qualidade em casa,
e assim pôr lado a lado obras que estavam antes separadas
por imensas distâncias. Foi isso o que fiz em meu estúdio
e o que me permitiu ver a coisa em toda a sua amplitude.
Somente ao reunir desse modo as imagens que comecei 
a notar coisas; e tenho certeza de que essas coisas só
poderiam ser vistas por um artista, um fazedor de marcas,
que não está tão afastado, ou da ciência, quanto um historiador de arte. Afinal, estou dizendo apenas que os
artistas sabiam em outro tempo usar uma ferramenta,
e que esse conhecimento se perdeu.

GIOTTO DE BONDONE - Itália 1266-1337 - afresco, vista parcial - Pintura anterior ao Renascimento e a utilização da óptica


GIOTTO DE BONDONE - afresco - detalhe


Como vimos, os artistas encontraram meios de superar
as características impostas pelas limitações do equipamento,
fazendo "colagem" de varios elementos numa pintura maior -
mas esses elementos ainda são vistos de frente 
e em close-up. São as habilidades composicionais dos artistas que nos convencem de que tudo está situado num espaço coerente.
Quando as lentes convencionais se tornaram grandes o bastante e de qualidade boa o suficiente para serem usadas
no lugar de um espelho côncavo. varios artistas fizeram essa
transição mas ela é vista com a máxima clareza na obra de
Caravaggio. Ele usou a lente com tamanha imaginação
que seu exemplo cedo exerceu influência por toda a Europa.
  

MICHELANGELO CARAVAGGIO - vista parcial


LEONARDO DA VINCI - Retrato de Genebra de' Benci - óleo 1474


Em meu mural sobresai nossa velha amiga Mona Lisa (1503). Seu retrato foi o primeiro a evidenciar feições
tão suaves. O sutil sombreado ao redor dos olhos e boca
são completamente diversos de tudo que aparecera antes,
incluindo o próprio retrato de Ginevra de Benci, pintado
30 años antes. Terá Leonardo usado a óptica para a Mona
Lisa? Não sei, mas o certo é que ele observara imagens nítidas do mundo tridimensional numa superficie plana e
em cores vivas. Ele com certeza tinha conhecimento das lentes. Em seus cadernos de notas, ele descreve a câmara escura e imagens produzidas por ela. Suas fenomenais habilidades de desenhista são bem conhecidas,
e ele tal vez tenha precisado somente ver a imagem projetada para recriar sua aparência.

LEONARDO DA VINCI - A Gioconda - óleo 1506


CURSO DE ILUSTRAÇÃO EDITORIAL
O CONHECIMENTO SECRETO - II
David Hockney
PESQUISA SOBRE ÓPTICA NA ARTE OCIDENTAL

ANTHONY VAN DICK


Detalhes de armaduras de Van Dick,
formidavelmente pintadas, o que seria
muito difícil de fazer sem a utilização
da óptica.

ANTHONY VAN DYCK


FRANZ HALS - detalhe


Franz Hals pintou este escorço de uma mão em 1626-28.
Como ela poderia ser pintada com traço tão confiante
e no entanto tão "correto", tão profundamente "crivel"?
Por quanto tempo poderia ser mantida nessa posição?

HANS MEMLING - detalhe


Mais de 50 anos antes do Marido e Mulher de Lotto
(e 30 anos antes que Rafael estivesse em Roma
trabalhando em seu retrato do papa), Hans Memling
pintou estas flores no reverso de um tapete oriental
onde se pode ver uma mudança de perspectiva:
a metade do tapete em frente do vaso tem um ponto
de fuga diverso do da metade posterior. Isso sugere
que Memling, tal como Lotto e Holbein, utilizou algum
tipo de dispositivo óptico, e não a pespectiva linear,
quando pintou o tapete, porque simplesmente não
o teria feito desse modo se usasse a geometria. Ele
provavelmente pintou a frente primeiro, e depois,
por causa de problemas de profundidade de campo,
refocou sua lente antes de pintar o fundo, daí um
segundo ponto de fuga. Esse quadro parece indicar
que, ao norte da Europa, os artistas faziam uso 
da óptica já no fim do século XV.

HANS HOLBEIN - "Os Embaixadores" - óleo 1533


"Os Embaixadores" (acima) de Hans Holbein foi pintado em 1533. Está repleto de objetos curvos e esféricos, os quais
teriam sido difíceis de fazer a olho, e no entanto todos eles
são maravilhosamente "precisos" em seu escorço. Holbein
poderia ter usado a máquina de Durer para pintar o alaúde
na estante de baixo. A estranha forma em primeiro plano
é um crânio distorcido - Holbein o distendeu. Tal distorção
pode ser lograda inclinando a superfície sobre a qual se projeta uma imagem. Produzi o detalhe do crânio abaixo
comprimindo-o de volta a seu formato num computador.
Ele parece bem "real". Não será isso uma pista de que Holbein utilizou ferramentas ópticas?  

HANS HOLBEIN - detalhe


Uma das coisas mais difíceis de pintar com prespectiva
linear são objetos curvos tal como alaúdes. A famosa
xilogravura de Durer (1525), sugere que alguns artistas
se valeram de um expediente técnico para ajudá-los.
Durer era um prodígio, um grande desenhista, mas tinha
também um aceso interesse pela tecnologia. Aquí ele
mostra como um pedaço de corda é preso a um ponto na parede, representando o ponto de vista do observador.
A corda é então ligada a um ponto no alaúde e sua posição é registrada mexendo-se duas outras cordas esticadas
através de uma moldura de madeira e marcando-se depois
onde estas cruzam uma tela articulada. A operação se repete até que haja pontos suficientes na tela para construir
o formato de um alaúde.
É um processo difícil, requer dois homens.

ALBRECHT DURER - Aparelho de projeção - xilogravura


No começo de 1999 fiz um desenho usando a câmara lúcida.
Era um experimento, baseado no palpite de que Ingres, nas primeiras décadas do século XIX, tal vez tivesse usado de vez em quando esse pequeno dispositivo óptico, recém inventado. Minha curiosidade fora despertada quando fuí
a uma exposição de seus retratos na National Gallery de
Londres e fiquei surpreso como eram pequenos 
os desenhos, embora tão misteriosamente "precisos".
Sei como é difícil alcançar tal precisão, e imaginei como ele teria feito. O que se seguiu levou-me a esse livro.

DAVID HOCKNEY - retrato realizado utilizando a "câmara escura"


DAVID HOCKNEY - Idem


DAVID HOCKNEY - Idem