sexta-feira, 27 de julho de 2012

foto: Juan Rulfo


O portão avermelhado e rústico da mansão surgiu
aberto de par em par. Apeei do cavalo e ofegando
de ternura desmedida, entorpecido por um presságio
emocional, acalmando o animal suado, avancei pelo
saguão adentro. Imediatamente, entre o ruído dos cascos,
ergueram-se do interior gritos dissonantes e guturais,
como se fossem doentes uivando no meio da fadiga
e do delirio.
Não sei explicar como surgiu em mim a sensação de
correntes pesadas acorrentando-me os pulsos
e os tornozelos até sangrar, mordendo-me ferozmente,
quando vi aquela matilha doméstica. A imagen antropoide
da mãe de Urquizo surgiu instantaneamente na memória,
e invadiu-me ao mesmo tempo um pressentimento maior
que as minhas forças, era uma espécie de certeza aziaga
de que minutos depois, teria o meu envolto pelas trevas.
Gritei alto.
Nada. Todas as portas da habitação estavam totalmente abertas.
Soltei as redeas do cavalo, vasculhei os corredores, os pátios, os quartos.
E novos grunhidos detiveram-me diante de uma escadaria que ascendia
ao aposento mais sombrio e elevado da casa. Espreitei.
Não sazia sentido.
Nenhum sinal de vida, nem um só animal doméstico.
Mãos insólitas deviam ter alterado com astuciosa mudança de gosto
e de todo o senso de ordem e comodidade, a distribuição usual
dos móveis e dos utensiliod do lugar.

foto: Juan Rulfo