quarta-feira, 4 de abril de 2012

Os Poetas
MARCOS ANA - A Guerra Civil Espanhola

Voluntário das Brigadas Internacionais


O material informativo de textos e imagens,
foi retirado de 3 livros: "Digam-me como é uma árvore - Memôrias" de Marcos Ana -
Umbriel Editores - Barcelona 2007 / "Morrer em Madrid" - Livro contendo
a fotografia do filme documentário de Fréderic Rossif, textos de Madeleine
Chapsal - París 1963 / "Atlas da Guerra Civil Espanhola" - Susaeta Edições - Madrid 2006 
MARCOS ANA - Fernando Macarro Castillo, mais conhecido
por Marcos Ana (pseudónimo formado com os nomes dos
seus pais). Poeta espanhol nascido no municipio de Alconada
em 1920. Filho de agricultores, teve a infância marcada por
extremada pobreza. Aos doze anos abandona os estudos e
começa a trabalhar para ajudar a familia. Aos decesseis 
ingressa nas Juventudes Socialistas. Em 1936 participa do inicio
da Guerra Civil, servindo nas milicias, no batalhão
"Libertad". Durante o conflito se filia ao Partido Comunista da Espanha.
Luta no Exército Republicano da Frente Popular. Em 1938, ao 19 anos
é preso pelos fascistas e recluido ao penal de Porlier. Depois do cautiveiro
em varios presídios, é libertado pela Anistia Internacional em 1961.
A partir desse momento da inicio a uma campanha internacional pela
anistia dos presos políticos espanhois da ditadura franquista. Em 2010,
Marcos Ana recebeu o prémio René Cassin dos Direitos Humanos.  

MARCOS ANA - Aos 19 anos ingressa no penal de Porlier


Retrato de Marcos Ana - foto: Sofia Moro 2007


"Digam-me como é uma árvore..."

Marcos Ana e José Saramago



Prólogo para Marcos Ana
                                                                                                                             José Saramago

“Digam-me como é uma árvore, digam-me como é a justiça”. Digam para ele Como é uma árvore, porque o cárcere, como um vampiro insaciável, vai absorvendo pouco a pouco as lembranças do mundo exterior. Digam lhe como é a justiça, porque ali onde ele se encontra, entre quatro paredes imundas, ou ante um pelotão de fuzilamento, esta é uma caricatura indigna, uma burla grotesca, a própria máscara do opróbrio.       Não precisam lhe dizer como é a dignidade porque ele a conhece intimamente, com ela, ele se tem acostado e com ela tem se levantado; comeram na sua mesa ou lhe ofereceram sua fome; e entre umas e outras horas, enfrentando carcereiros e verdugos, fechando os lábios e os dentes sob terríveis torturas, esses homens inventaram a dignidade humana em lugares onde, segundo as severas normas dos criminais, deveriam acabar perdendo-a.  Este livro de Marcos Ana nos conta como isso ocorreu. Se apresentando como memória de uma vida é muito mais que isso, não só porque seu autor repele todas e cada uma das tentações de se olhar complacente ante o espelho, senão, porque na verdade, o rompe, para que em seus múltiplos fragmentos, se reflitam os rostos de seus companheiros de infortúnio. O eu aqui sempre, é o nós.
     Este livro é uma lição de humanidade, não porque seu projeto e seu propósito tenha sido de lecionar aos leitores a respeito do caminho reto, como se destas páginas se tivesse que deduzir um código de ética ou um manual de regras de moralidade pública e privada. De uma forma que é ao mesmo tempo descarnado e poético, Marcos Ana examina e descreve, com sutil bisturi e um estilo seguro de seus recursos, a vida na prisão, seus heroísmos e seus desfalecimentos, a solidariedade convertida em instinto, a valentia como um hábito, sem o qual não seria possível sobreviver ao inferno dos dias e das noites, ao medo das madrugadas que traziam a morte, a longa espera duma liberdade, que para muitos deles nunca chegou. Diz para nos como é uma árvore para que não duvidemos de que alguma coisa no mundo, fora de estes muros, segue lutando contra a infâmia, contra a mentira, contra a crueldade enlouquecedora dos inimigos da vida. Diz para nos como é a justiça e onde está, para que lhe possamos arrancar a venda dos olhos e assim possa ver, finalmente, a qualquer um que, de verdade, tem estado servindo, mas que não nos digam como é a dignidade porque isso nos já sabemos, porque inclusive quando parecia que não era mais que uma palavra, nada mais, entendemos que era a pura essência da liberdade no seu sentido mais profundo, esse que nos permite dizer, contra a própria evidencia dos fatos, que estavamos prisioneiros, mas éramos livres. Este livro chega como um sopro de ar fresco, que vem para derrotar o cinismo, a indiferença, a covardia. Também demonstra que existe uma possibilidade real de chegar à esfera do verdadeiramente humano. Marcos Ana tem estado ali. Esteve e estará enquanto ele viva. Agradeçamos lhe a singeleza, a naturalidade com que ele é um homem. Inteiro, autêntico, completo.      

MARCOS ANA - Campanha internacional pela anistia dos presos políticos espanhois durante a ditadura franquista - Encontro com Pablo Neruda - Santiago do Chile 1963


MARCOS ANA - Capa de edição argentina - Buenos Aires 1963


A VIDA


Diz para mim como é uma árvore.
diz-me do canto do rio
quando se cobre de pássaros.
fala-me do mar, me fala
do largo cheiro do campo,
das estrelas, do ar.
recita-me um horizonte
sem chaves e sem fechaduras,
como a maloca de um pobre

Atlas da Guerra Civil Espanhola - A pesar da pouca simpatia que Hitler sentia por Franco, por causa do modelo da sua ditadura, mais próxima do tradicionalismo católico que do fascismo, a ajuda da Alemanha nazi, foi determinante para a queda da República.


Atlas da Guerra Civil Espanhola - "Detenha-se, o coração de Jesús está comigo!" Referência ao catolicismo unindo as bandeiras da Falange, e das potências fascistas Alemanha, Itália e Portugal.


Atlas da Guerra Civil Espanhola - A Falange, a Igreja e o Exército unidos na ditadura franquista.


Atlas da Guerra Civil Espanhola - Acabada a Guerra Civil, Franco e Hitler se encontraram em 23 de outubro de 1940, para tratar da possível inclussão da Espanha no conflito europeu, que não se realizou.


Atlas da Guerra Civil Espanhola. Durante a guerra, mais de 30.000 crianças foram enviadas a outros países. Na repressão que se seguiu a queda da República, 300.000 mil crianças foram vendidas ou adotadas com falsos registros, e os seus país, militantes ou participantes repúblicanos, assessinados pela ditadura franquista. Este tipo de prática somente acabou no final da década de 80.


Eduardo Arroyo - "Guernica" - óleo


"Morrer em Madrid" - Guernica 1937 - O general alemão Gailland, comandante da esquadrilla alemã, diría mais tarde: "Guernica não era um objectivo militar, foi apenas um lamentável erro."


"Morrer em Madrid" - Guernica 1937 - Intimidação da população civil. Os aviões eram "Heinkel 111" e "Junker 52" - O bombardeamento durou 3 horas. Mil seiscentos e cinquenta e quatro mortos. Foram testados os novos aparelhos que seriam utilizados na Segunda Guerra Mundial.


Pablo Picasso - "Cabeça gritando" - crayón 1937


Pablo Picasso - "Guernica 1937" 1 - vista parcial


Pablo Picasso - "Guernica 1937" 2 - vista parcial


terça-feira, 3 de abril de 2012

"Morrer em Madrid" - Desejados por Franco e abençoados pela igreja, os grandes massacres provocaram a indignação mundial.


Atlas da Guerra Civil Espanhola - 1936 - As milicias


"Morrer em Madrid" - Dolores Ibarruri "La Pasionaria ", deputada pelo Partido Comunista Espanhol, chama á união dos sindicatos e dos partidos: anarquistas do CNT e da F.A.I, catalães de Companys, socialistas do U.G.T e de Largo Caballero, bascos de Aguirre, marxistas do P.O.U.M, todos unidos como os dedos de uma mão! O punho fechado torna-se o símbolo da unidade.



"Morrer em Madrid" - Capa do livro referênte ao filme documentário de Frederic Rossif, com texto de Madeleine Chapsal - París 1963


diz para mim como é o beijo
duma mulher: me de o nome
do amor, eu não me lembro.


ainda as noites se perfumam
de trêmulos enamorados
de paixão sob a lua?


ou sô fica esta fossa,
a luz de uma fechadura
e a canção de minhas lajes?


vinte - e - dois... já esqueço
a dimenção das coisas,
sua cor, seu aroma... escrevo.


as palpadelas: "o mar", "o campo"...
digo "bosque" e perdi
a geometria de alguma árvore.


falo por falar, de coisas
que os anos me apagaram


(não posso seguir, escuto
as pisadas do custódio)
tradução: Eliseo Escobar 

"Morrer em Madrid" - Franco afirma: "Somos católicos. En España, ou se é católico ou não se é nada" / o cardeal Goma y Toma, primaz de Espanha, declara: "Não pode haver outra pacificação que não seja a das armas, convem extirpar toda a podridão da legislação laica" - montenhor Diaz Gomarra, bispo de Cartagena, diz: "Abençoados sejam os canhões se, nas brechas que abrirem, florir o Evangelho".


"Morrer em Madrid" - A Igreja Católica aliada ao franquismo


Atlas da Guerra Civil Espanhola - Divisa da Juventude Fascista Italiana - 1937 - com os lemas inscriptos: creer, obedecer, combater


Atlas da Guerra Civil Espanhola - Cruz de San Fernando, formada por 4 punhais, que Franco se outorgou a si mesmo em maio de 1939, no primeiro aniversário da "Victória".


General Franco - Enciclopédia Abril


General Franco - detalhe


MEU CORAÇÃO É UM QUINTAL
a Maria Teresa León


A terra não é redonda:
é um quintal quadrado
onde giram os homens
sob um céu de estanho


sonhei que o mundo era
um redondo espetáculo
embrulhado no céu,
com cidades e campos
em paz, com trigos e beijos,
com rios, montes e lagos
mares onde navegam
corações e barcos.
mas o mundo é um quintal.
um quintal onde giram
os homens sem espaço.

Atlas da Guerra Civil Espanhola - Bandeira do CNT organização anarquista catalã


Atlas da Guerra Civil Espanhola - O poeta Miguel Hernández, soldado nas frentes de Teruel, Extremadura, Andaluzia e Levante, comisário de atividades culturais e propaganda, arengando aos combatentes. Feito prisioneiro, morreu no Reformatório de Adultos de Alicante em 1942


Atlas da Guerra Civil Espanhola - Os prisioneiros que escaparam de serem fusilados, foram recluidos em cárceres e campos de concentração, e utilizados como mão de obra barata.


MARCOS ANA - Colonia Penal de Burgos


as vezes quando subo
a minha janela, apalpo
com meus olhos a vida
de luz que eu vou sonhando.
e então eu digo "O mundo
é alguma coisa mais que um quintal
e estas lajes terríveis
onde estou a me consumir".
e escuto colinas livres,
vozes nos álamos,
a conversa azul do rio
que singe meu patíbulo.
"e a vida" me dizem
os aromas, o canto
vermelho dos pintassilgos,
a música no copo
branco e azul do dia.
o riso de um garoto...


Mas é sonhar desperto:
minha grade é o costado
dum sonho que da ao campo.
amanheço e já tudo
- fora dos sonhos - é quintal.
um quintal onde giram
os homens sem espaço.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Vincent Van Gogh - "A ronda dos prisioneiros" - óleo 1890 - (interpretação de uma gravura de Gustavo Doré)


tantos séculos faz já
que nasci emparedado,
que me esquecí do mundo,
de como canta a árvore,
da paixão que escende
o amor nos labios,
se as portas estão sem chaves
e outras mãos, sem pregos!
eu acredito já que tudo
- fora do sonho - é um quintal


Um quintal sob um céu
de cova, desgarrado,
que esfaqueiam e limitam
muros e pára-raios.


Já nem o sonho me leva
rumo a meus anos livres.
Já tudo, tudo, tudo
- até o sonho - é um quinta.
Um quintal onde gira
meu coração, pregado;
meu coração nu;
meu coração clamando;
meu coração, que tem
a forma gris de um quintal.


um quintal onde giram
os homens sem descanso
tradução: Eliseo Escobar

MARCOS ANA - Campanha pela anistia dos presos políticos espanhois durante a ditadura franquista - Japão


MARCOS ANA - Campanha pela anistia dos presos políticos espanhois durante a ditadura franquista - Inglaterra


Atlas da Guerra Civil Espanhola - Estatísticas sobre os mortos na guerra e vítimas da repressão.


Atlas da Guerra Civil Espanhola - João Miró - Cartaz solicitando ajuda para a Repúbica Espanhola


MARCOS ANA - Campanha mundial pela anistia dos presos políticos espanhois durante a ditadura franquista - Suiça


ROMANCE DAS DOZE MENOS UM QUARTO
(Noite velha na prisão de Burgos)


Camaradas, as doze,
todos os pulsos na hora;


Que soem como os sinos
em um sino, somente;
que fundam os corações
num coração e todos
os galhos do pulso sejam
árvores de luz na sombra.


Amigos, todos de pé:
sobre as montanhas vermelhas
de nosso sangue sem pulsos,
a voz erguida na boca.
Se alguém sentisse que tem
as asas do pulso rotas,
que as repare! as doze
todos os pulsos na hora





Atlas da Guerra Civil Espanhola - Voluntários das Brigadas Internacionais


Atlas da Guerra Civil Espanhola - Cartaz de propaganda do Partido Obrero de Unificación Marxista