O propósito deste blog é o de mostrar o trabalho do ilustrador,independente das regras impostas pelo mercado,nas quatro disciplinas praticadas por mim, em diferentes momentos e veículos: A Caricatura na Imprensa,A Ilustração na Imprensa,A Ilustração Editorial e O Poema Ilustrado. Também são mostradas modalidades diferentes das mesmas propostas como: Montagens das exposições e a revalorização do painel mural, através das técnicas de reprodução digital em baner.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Entrevista concedida por Luis Trimano ao designer
Ricardo Antunes, editor da revista virtual “ILUSTRAR”
Rio de Janeiro – abril de 2010
1 - "ILUSTRAR" - Você começou a desenhar desde muito pequeno e se profissionalizou bem cedo.
Como foi esse começo? /
TRIMANO - A certeza de que o desenho seria a minha forma de expressão, se da por
volta dos 14 ou 15 anos. Nesse período ingresso na Escola Nacional de Belas
Artes. O ambiente era mais de escola de “labores” práticas, que de ateliers, de
artistas, como serian Lino Spilimbergo ou Antonio Berni, que me influenciaram
muito, principalmente nos primeiros tempos, quando a gente lutava para dominar os materiais Nesse período começou uma greve contra reformas de ensino, pela implantação do modelo vivo, e os alunos começaram a jogar os jesos que serviam para copiar formas académicas, pelas janelas da escola. Essa greve nunca iria acabar e me afastei. A vivência da pintura, eu devia procurar por outros caminhos. Sempre desenhando de forma obsessiva, lutando por expressar os temas que me interessavam, e andando a cidade pra cima e pra baixo “buscando”, e visitando os ateliers dos pintores, a procura de um clima de diálogo com gente que me interessase, num clima que não senti na Escola. Eu era muito influenciado por Carlos Castagnino pintor e desenhista
virtuoso, muralista e ilustrador literário que tinha montado em Buenos Aires,
um “atelier libre” que foi muito importante naquele momento, e formou muita gente.
Empregava o método de ensino de um pintor cubista francès chamado André Lhote.
Eu precissava de alguma coisa mais “instantânea”, e o desenho era
a “ferramenta” perfeita, que eu poderia manejar (e depois de árduos trabalhos...)
conseguir um domínio. Paralelo a este processo, ingresso na Escola Panamericana
de Arte, fundada por 12 mestres da ilustração e o quadrinho, entre eles Hugo Pratt e
Enrique Breccia. Isto consolidou algumas certezas, sobre questões que vinham me dando voltas, a respeito da abordagem gráfica da narrativa, e também me abriú um panorama mais amplo sobre os quadrinhos, já que vários dos artistas da escola eram quadrinistas, como Hugo Pratt. Essa vivência em que se misturam as artes plásticas e as artes gráficas, me leva, depois de organizar 4 exposições individuais de desenho em galeria, à ilustração para imprensa, onde faço uma tentativa de “fusionar” a qualidade visual que pode ser alcançada na prática das artes plásticas, e o dinamismo que adqüre
o desenho impresso na página do jornal. A ilustração em preto e branco, quando a
impressão era feita com clichês, sistema semelhante a xilografia.
As vezes era notório o “cunho” provocado pela pressão da matriz sobre el
papel. A profissionalização veio em 1967, quando publiquei a primeira ilustração no semanário portenho “Análisis”. Depois desse curto período de estréia na imprensa,
em1968 emigrei para o Brasil. /
2 - "ILUSTRAR" - Quais foram as suas influências artísticas? /
TRIMANO - Os primeiros contatos que tive com arte, foram,
quando menino, o cinema, os comics e os quadrinhos
locais, que na Argentina se chaman de “historietas”.
Nos anos 60, surgiram, em Buenos Aires, muito bons
desenhistas de quadrinhos, artistas plásticos/ilustradores,
e gravadores. Existia uma espécie de “culto” das revistas
de quadrinhos e dos desenhistas que se confundiam
com seus personagens como acontece com Hugo Pratt e
a sua personagem autobiográfica Colto Maltese.
Naquele momento algumas pessoas investiram em idéias novas
Correndo riscos de falência, e essa falência aconteceu diversas vezes...
Foram os lendários “alternativos”da imprensa dos anos da ditadura militar
Foi um momento excepcional e se fizeram coisas excepcionais,
as posibilidades de se publicar ilustração autoral, eram bem maiores do que hoje
Sobre as influências:.
Em Buenos Aires e Montevideo,
existe um espíritu de “humor negro”, legado dos espanhóis. Um antecedente
de esse espíritu “negro” é Francisco de Goya, uma da minhas influências junto
com uma gravadora expressionista alemã chamada Kathe Kollwitz.
Os mestres argentinos. antes citados Spilimbergo, Berni e Castagnino
O desenho de Carlos Alonso
Os muralistas mexicanos Orozco, Rivera, Siqueiros e Tamayo
Os desenhos de Cándido Portinari
O Expressionismo Alemão
As "Calaveras” e as gravuras de cordel de José Guadalupe Posadas
A pintura de Emiliano Di Cavalcanti
O pincel de Hugo Pratt e o pincel dos desenhistas de quadrinhos.
O desenho de Hokusai e as estampas japonesas /
3 - "ILUSTRAR" - Tantas influências permitiram que você trabalhasse com quase todos os materiais. Há algo em especial que tenha preferência? /
TRIMANO - Eu gosto muito do resultado preto e branco na ilustração para jornal.
Não gosto da cor tal como é utilizada na imprensa atual, virou um caos.
O bico de pena, uma das técnicas que destacou o meu
desenho na imprensa, semelhante
a gravura em metal, é uma técnica que uso desde que comecei a desenhar.
Esta referência a gravura é muito interessante porque me leva a visitar o trabalho de gravadores e a gravura de um modo geral, no caso a xilografia, primeira técnica de ilustração a ser utilizada na imprensa.
Nos anos 80 fiz uma série de trabalhos sobre MPB. Foram capas
de disco vinil e uma série de guaches de tamanho um pouco maior que
o habitual: 1,20 x 90 mts., levou por título Músicos de Rua, e foi
exposta em 1985 no Museu de Imagem e do Som do Rio de Janeiro,
Também foi capa da revista Gráfica.
Essa série, não era desenho colorido, era pintura sobre papel.
Um pouco como se trabalhavam os cartões preparatórios
das pinturas no século XIX. Esta técnica está relacionada também a tinta acrílica,
que utilizei pintando painel mural, sobre tela , parede ou compensado.
Existem duas técnicas que nos afastam das colorações do guache e da tinta acrílica,
son as canetas descartáveis esferográfica e hidrográfica, cujas cores estão mais
próximas das cores de fabricação industrial, que das tintas empregadas na
pintura artística.
Para as composições eu uso, como sistema de trabalho, a colagem de imagens
retiradas de diversas fontes, que depois de feitas as montagens, serão projetadas
e desenhadas artesanalmente a lápiz, nanquim ou caneta, no papel.
Tenho utilizado também, a câmera digital para registros do real, que depois servirão de modelo nos desenhos e as ilustrações.
A serigrafia é uma técnica dificil que tem me dado bons resultados também. A coloração da tinta serigrafica, utilizada também para fins industriais, é diferente do óleo, o acrílico e o guache. Sendo de difícil execução, os custos da tiragem serigráfica são altos, e o seu preço aumenta de acordo com o número de cores empregadas.
É muito difícil para o artista arcar com os custos de uma tiragem serigrafica sem patrocinio
Em 2006 fuí contratado pela firma serigráfica Arte & Naturaleza de Madrid, a realizar a impressão
de 8 imagens da série ‘Estigmas”, conjunto de guaches que produzi, por volta de 1984/85, sobre textos do poeta peruano César Vallejo, e que na época foram expostos na galeria Carlos Oswald do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. /
4 - "ILUSTRAR" - Boa parte do seu trabalho são retratos ou caricaturas. O que busca ao retratar as pessoas? /
TRIMANO - O retrato sempre procurou “capturar a alma” da
pessoa. No retrato tenho procurado
dignificar ou exaltar as qualidades humanas do
retratado sem abandonar um longo trabalho que
venho fazendo há anos sobre a face humana, sobre
a transformação da face humana, que.me levou
durante algum tempo, a me afastar do retrato, e
trabalhar um caricato próximo das máscaras teatrais,
ou dos “anti-retratos” do Expressionismo Alemão.
Eram caricaturas grotescas e simiescas, um teatro de títeres
aleijados e maléficos a se pasearem pelas páginas vigiadas
pela censura.
“Grafismos sombrios e bestiais para tempos sombrios e bestiais”
e tentando também incorporar as variantes e mudanças
do grafismo atual, incluindo a participação do computador.
Quando cheguei em São Paulo, em 1968, conheci os retratos
pintados a óleo por Flavio de Carvalho entre 1920 e 1950.,
e também os desenhos a carvão retratando a mãe no leito de morte.
Expressionismo selvagem. Me impressionou a valentia
com que encarava o retrato. Eu estava estudando
os desenhos e as pinturas do período figurativo
de Jackson Pollok, cujo trabalho, nesse momento,
esteve influenciado pela arte ritual dos índios Navajos do México,
e pelo muralista Clemente Orozco.
Também estava olhando os retratos pintados por Francis Bacon,
os mais violentos já produzidos. Bacon me provocou
forte influência durante um bom tempo.
Data desse período uma série de pequenos desenhos
a nanquim, muito trabalhados e muito escuros
que fiz nesses primeiros meses de São Paulo.
Eram “sombras”, “fantasmas que se arrastavam pela
Gotan-City que me pareceu Sampaulo a noite. O título
De um dos desenhos dessa série foi: “O Fantasma do
Viaduto”. Eu estava fazendo caricatura com os grafismos de
Pollock me dando voltas. E dessa química meio maluca,
me lembro que saíram desenhos bem feitos, imaginativos
Entre 1968 e 1974 trabalhei intensamente como caricaturista
na imprensa comercial e na imprensa alternativa, chamada de “nanica”.
Nesses anos se operou uma mudança significativa na visualidade
dos meios de comunicação impressos no Brasil, e o meu desenho, (que trazia
um dado visual diferente), acabou se integrando e fazendo parte daquele
processo.
Como influêcias no gênero do retrato posso citar alguns artistas de varias
epocas, que me Impressionaram e a quem seguí, numa “influência consciente”
Os retratos de Rembrandt, os autorretratos de Van Gogh os apontamentos
rápidos e retratos de Toulouse Lautrec, os retratos de Oskar Kokoschka,
as litografias produzidas para a imprensa francesa e as caricaturas modeladas de
Honoré Daumier, os retratos de populares e personagens da corte de Francisco de Goya
Os retratos pintados de Francis Bacom
Os retratos que Picasso fez de Dora Maar e outras mulheres
Entre os contemporâneos posso citar a Ralph Steadman que utiliza um grafismo muito
violento e pesado para falar de temas violentos. /
5 - "ILUSTRAR" - Uma das características do seu trabalho, em especial nos retratos, é o grafismo utilizado, se tornando quase que um elemento a parte na ilustração. Essa busca quase obsessiva pelo grafismo e pela textura reflete uma busca maior pela estética?
TRIMANO - Eu acho que a figuração e a não figuração fazem parte de um mesmo contexto,
mas se remetem a interesses diferentes. Eu sempre me interessei pela figuração, por representar a figura humana protagonizando suas histórias, daí o posterior interesse pela ilustração. Dentro da figuração existe abstração: quando ampliamos
um detalhe qualquer de uma pintura figurativa, conseguiremos vizualizar quadros
abstratos ou não figurativos, Eu tento trabalhar o elemento figurativo de maneira
que não deixe de representar o que quero dizer, mas ao mesmo tempo seja um trabalho
onde o plástico esteja em primeiro lugar, já que se trata de um trabalho plástico.
Desta forma o conteúdo estará sendo transmitido com maior ou menor intensidade de acordo com a intensidade expressa nas imagens que ilustram.
No meu caso, o interesse pelas disciplinas das artes plásticas como a pintura e a gravura,
faz com que utilize elementos do desenho erudito proveniente da plástica, e não
das redações de jornal ou das agencias de publicitárias, onde muita gente tem se formado a falta de boas escolas profissionalizantes, mas cujo esquema acaba sendo um
esquema de linha de montagem. É difícil fugir ao automatismo trabalhando dentro de
uma redação ou numa agencia de publicidade. /
6 - "ILUSTRAR" - E grande parte dos seus trabalhos são apenas a preto e branco. Acha que uma arte a preto e branco possa ser mais expressiva? /
TRIMANO - O preto e branco e a cor são dois caminhos diferentes. O desenho em preto e branco
Está sujeito, na maior parte dos casos, quase que exclusivamente a forma.
O preto e branco se presta ao claro escuro e ao modelado de volumes. A luz, a sombra
ea penumbra, os cinzas. Os climas provocados são dramáticos, austeros, lacônicos. Essa me parece ser a expressividade do preto e branco. E o realce na descrição da forma.
A cor, dispensa os volumes e o desenho demasiadamente construído. A cor é essencialmente luz. Os temas muitas vezes nos determinam a coloração das composições. Em trabalhos que fiz para capas de disco da MPB a cor era muito
Importante porque a temática se referia a música o carnaval e os compositores do samba.
Outros temas, ligados a problemática social urbana, guerras etc. creio que exigem o
preto e branco. Tanto a cor como o preto e branco são altamente expressivos,
Se estiverem de acordo com o tema ilustrado. Exemplos: um fusilamento de Goya
só pode ser em preto e branco. Um campo florido
de Monet, só pode ser de cor plena. /
7 - "ILUSTRAR" - Muitos ilustradores consideram a ilustração como um trabalho apenas comercial, mas você já afirmou que a ilustração cumpre uma função social. Como se daria isso? /
TRIMANO - Poderíamos comparar o ilustrador free-lancer ao ator não contratado.
Muitas vezes me perguntei; de que vivem os atores quando não estão
tabalhando para telenovelas, que são as únicas que pagam, porque ninguém vive
de fazer teatro. Os atores vão fazer publicidade, vão vender apartamentos. Quem
ontem interpretava um clássico, hoje está vendendo três quartos e varandão.
A pessoa precissa viver,e vai se malograr por uns trocados, que tampouco vão resolver a sua situação, fazendo gingle ou anuncio de super mercado.
O teatro que estudou, os sonhos de interpretar, de “ser” ator, vão pro lixo. Vi
atores e artistas plásticos passarem por esta ignóbil situação de acabar
na indigência ou na pobreza total.
A mesma coisa podemos falar do ilustrador. Ou se considera artista, porque a ilustração
(é uma vergonha ter que dize-lo) é uma arte, ou é um burocrata que marca cartão e faz o que le mandam fazer, a espera da hora da saída. Então o cara que acha que a ilustração é apenas um ganha pão, no é um artista, é um comerciário que trata de
serviços onde se utiliza a ilustração. Mesmo sendo um pequeno profissional autônomo,
Ele faz parte do ramo da publicidade comercial e não da arte da ilustração.
Eu acho que, quando um artista tem uma preocupação social com respeito ao seu trabalho, deve evitar ao máximo a aproximação da ilustração comercial e colocar
a sua ilustração a serviço de temas políticos, culturais ou educacionais, que possam
ser úteis as pessoas, não vender um quadro para quem tem dinheiro, para a contemplação privada. Democratizar a imagem ilustrando temas que aculturem,
não vender objetos. O ilustrador cumpre uma função social, quando o seu trabalho
chega nas pessoas e provoca uma reflexão, o oposto de toda esa orgia de impactos
e negócios em que se transformaram os meios. /
8 - "ILUSTRAR" - Portanto dependendo de como for usada, a ilustração pode ter de uma certa forma um papel também político? /
TRIMANO - Eu creio que a intenção da editoria e o próprio veículo onde é
publicada determina a eficácia da ilustração de intenção política.
Não somente pela sua qualidade como desenho.
Se está integrado ou desintegrado do conjunto, numa publicação
dedicada a crítica da temática social.
Se repete os vícios da imprensa comercial ou reivindica uma linguagem
não regida por regras do mercado.
,A ilustração de comentário político,
não precissa necessariamente estar publicada num veículo
político partidário para ser notada ou apreciada pelo leitor.
A ilustração política é uma ilustração opinativa,
é também um gênero, hoje um pouco fora de contexto,
de acordo com os nihilismos da moda...
Um exemplo da prática deste gênero, é o ilustrador
norteamericano Brad Holland, publicado regularmente
durante anos pelo jornal Nova York Time,
quem caracterizou o seu desenho, como ilustração de comentário
político com espaço fixo na página. Espaço fixo de ilustração,
não de portrait charge. Este hábito de criar um espaço fixo para
o ilustrador, é incomum nas publicações brasileiras de noticias
e variedades, ficando um ínfimo espaço para a ilustração autoral
de comentário político, nas raras páginas ilustradas sobre estes
temas. Nesse momento o ilustrador começa a ser visto como
“artista plástico”. Eu acho que esta “confusão”, vem do fato
do ilustrador não ser nem chargista nem caricaturista, dois gêneros
tradicionais da imprensa escrita. Fora do desenho humorístico,
é difícil conseguir espaço fixo de ilustração na imprensa comercial,
por sinal a única que tem. Os nanicos não existem mais.
A tendência é, a de assossiar a ilustração a literatura, o livro ou a
revista ilustrada. Obgetos de manuseu da clase média alta (um livro
custa quase 100,00$ reais), uma revista ilustrada, mais de 10,00$ reais.
As pessoas olham jornal na banca, contam moedas para viajar no ônibus,
ou deixam parte da compra do supermercado em cima do balcão etc.
E esta é outra contradição que se me apresenta quando reivindico uma
qualidade quase luxuosa (se comparando) para o trabalho publicado...
Opinião, Versus, e Pasquim, foram jornais da imprensa alternativa que
utilizaram principalmente desenhos em lugar de fotografias. A foto-
grafia era publicada esporadicamente. Ou seja que existia uma
proposta, que sempre foi muito alimentada pelo mestre Jaguar, de uma
imprensa muito grafitada e desenhada, politizadíssima e divertida.
Publiquei muitas ilustrações políticas em parceria com textos de
Newton Carlos e Luis Carlos Maciel no período final do Pasquim.
O panorama hoje é bem pobre nesse sentido. /
9 - "ILUSTRAR" - E você tem um forte interesse pela política e pelos movimentos sociais, não? /
TRIMANO - A política está em tudo que fazemos.
O momento que eu vivi, na Argentina e posteriormente
no Brasil foi muito determinado pela atuação política,
“se fazer política”. Atuar politicamente. Participar.
Todo o mal acometido contra os povos dos países da América do Sul
nos 70, foi demasiado traumático para todo o mundo.
A única atitude que nos, artistas, podemos assumir perante
toda essa monstruosidade, que aconteceu e continua
acontecendo na frente dos nossos olhos, é a solidariedade
a “não cumplicidade perante a violência dos fatos”
Neste ponto, eu me formulo a ilustração política como um exercicio
de opinião, reflexão e resistência..
Isto vai junto com a gente sem o percebermos. /
10 - "ILUSTRAR" - Você trabalhou como ilustrador e artista durante o período dos "anos de chumbo", época mais dura das ditaduras militares na Argentina e no Brasil. Como o contexto político desse período influenciou o seu trabalho? /
TRIMANO - Quando saí da Argentina em 68, o governo era
manejado por militares. Depois de uns meses
trabalhando em São Paulo, contratado pela revista Veja,
voltei para Argentina e fiquei todo o ano de 69
desenhando para "7 Dias Ilustrados” e “Panorama”,
dois semanários publicados pela editora
Abril de Buenos Aires.
Editores de destaque
da revista “Panorama” naquele momento, foram, o poeta Juan Gelman,
Militante Montonero, que teve seu filho e a nora “desaparecidos”,
a quem ilustrei recentemente numa extensa série
intitulada “Diário” – desenhos de
Luis Trimano / e 5 poemas de Juan Gelman”, exposta em
2006 e 2009, em duas galerias do Rio.
E o escritor Tomás Eloy Martínez, falecido recentemente, que ficou
conhecido no Brasil por seu romance “Santa Evita”,
relato das peripécias necrófilas que envolveram o cadáver ampalhado
de Eva Perón, durante os anos da ditadura militar denominados de
“El processo”.
Ambos escreveram no exílio, historiando os “tempos terríveis”, semelhantes
em ideologia e métodos ao nazi-fascismo, vividos na Argentina no período.
Eu tive conhecimento durante todos esses anos, em São Paulo e posteriormente
no Rio de janeiro, dos horrores que aconteceram.
Todo esse contexto determinou o “estado de espíritu” em que as pessoas vivemos
por muitos anos, com o pensamento fixo: “neste momento pode estar acontecendo...”
A violência máxima que procurei no grafismo desse anos, foi,
sem dúvida, uma resposta as vivências “de chumbo” que as pessoas
tiveram que sofrer. /
11 - "ILUSTRAR" - E como você tentou expressar essa fase nos seus trabalhos?
Existe uma frase de um poema de Bertolt Brecht que disse:
"... se cantará nos tempos difíceis?
sempre se cantará nos tempos difíceis" /
12 - "ILUSTRAR" - Chegou a sofrer algum tipo de censura ou de pressão por isso?
TRIMANO - A partir do AI 5, a censura se instalou em todos os meios
de comunicação, principalmente na imprensa escrita e na televisão,
dois importantes formadores de opinião. Qualquer
pessoa que estivesse trabalhando nos veículos da imprensa comercial,
recebendo ou transmitindo qualquer tipo de informação,
podia ser alvo da censura.
No caso da imprensa alternativa era mais duro por causa da natureza
das publicações. Principalmente o tablóide “Opinião”, jornal de crítica
política e firme opositor ao governo militar, um dos alvos mais visados
da censura. /
13 - ILUSTRAR" - Você se considera um ilustrador que circula pelas artes plásticas ou artista plástico que também ilustra?
TRIMANO - Um artista plástico que ilustra.
O ilustrador que trabalha com figuração, deve ser
artista plástico, do contrario não pode ser ilustrador.
Não terá a prática com as técnicas nem o conhecimento do
corpo humano, nem saberá como se desenham roupas
e objetos. Não saberá relatar uma história com desenhos.
Eu acho que o computador “aleijou” o homem nesse sentido.
Hoje me parece muito difícil que as pessoas sentem para
desenhar como no tempo anterior a eletrônica.
Eu penso que quase toda a arte figurativa anterior ao
Abstracionismo, vista de hoje, é ilustração. O Renascimento
é ilustração, a “Capela Sixtina”, é uma extraordinária ilustração pintada
numa superfície mural gigantesca, mas publicada em livro
junto a um texto, é uma ilustração.
Da mesma forma que o “Guernica” de Picasso,
editado em livro junto a um texto alusivo, é
uma ilustração.
Para mim, um artista plástico que usa a figuração
para contar uma história, é um ilustrador.
Eu acho que a ilustração é o que em outras profissões,
Se denominaria de “especialização”, mas, para se
especializar, precissa estudar as matérias da profissão.
Depois de um certo tempo ilustrando, as duas disciplinas
se misturam de tal forma dentro da gente, que passamos
a não senti-las mais. /
14 - "ILUSTRAR" - E como vê o atual mercado de trabalho? /
TRIMANO - A imprensa alternativa, politizada, culta, participativa e
completamente livre de vínculos com o lucro, na qual
trabalhei muito no inicio dos 70, não existe mais.
Mas a idéia dos projetos alternativos, que me acompanha
desde que era adolescente, principalmente nos poemas ilustrados,
é cíclica e se renova com as mudanças dos tempos.
Não enxergo, neste momento, posibilidades de mercado para o meu trabalho na imprensa comercial.
Eu radicalizei a minha proposta sobre o que quero fazer da ilustração.
Quem sabe, como você formulou numa pergunta anterior, eu volte a ser,
como foram os artistas que me influenciaram, um artista plástico
que transita pela ilustração.
Neste momento estou acabando de ilustrar um livro grande de Pablo Neruda:
“Canto Geral”, uma história da conquista espanhola das Índias, em versos.
Este trabalho deve ser exposto ainda este ano no MNBA do Rio de Janeiro
E proximamente estarei começando as ilustrações do “Diário Íntimo”
subtitulado “Retalhos”, de Lima Barreto, com edição programada para 2011,
que será acompanhada de exposição alusiva ao escritor, e na qual serão mostrados
os originais das ilustrações realizadas para os “Retalhos” e para o romance “Recordações do Escrivão Isaias Caminha”, do mesmo autor.
Ambos projetos autônomos, emparentados com a literatura crítica e a poesia.
Resistindo de costas ao mercado.
15 - Sente que a nova geração de diretores de arte poderiam ter uma melhor formação artística?
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