domingo, 10 de janeiro de 2010

Ontem é Hoje ou Histórias de Agora TRIMANO - Série "O Negro" - estudos de cabeças sobre fotografias de Christiano Junior / caneta esferográfica / 2001
"O objetivo claro na série O Negro, diz Trimano, é "a intenção é mostrar a história desta gente através de papéis rasgados". Na história do apagamento da memória, houve a ordem do Ministro da Fazenda Rui Barbosa em 14 de dezembro de 1890 de queima de todos os papéis, livros de matrícula, documentos cartoriais e registros fiscais relativos à escravidão existentes em órgãos de sua Pasta. Os motivos eram extirpar a "mancha negra" da escravidão, embora visassem preservar o Tesouro das reivindicações de indenização dos antigos senhores escravocratas. No entanto, o que foi apagado lá permaneceu - no pequeno gesto, no olhar trocado com a câmera, no grão da voz no seu silêncio, no fundo da alma - mas não víamos, Foi mais conveniente "queimar" a memória da "mancha negra" por razões de Estado (elas discrepariam fundamentalmente das razões da clase dominante?) do que manté-las vivas como testemunho. Porque esqueceram de perguntar aos ex-escravos se era possível esquecer as provas, ainda mais necessárias hoje. Trimano recupera a câmera discreta de Christiano Junior, com sua serena organização dos corpos e oficios dos escravos, para lançá-la no centro da "tragédia humana" brasileira: O Negro . A literatura de Joseph Conrad abordou a falência do discurso eurocêntrico e do projeto colonial europeu, Trimano trabalha esta falência como base remota, mas concreta, do atual sistema de desigualdades sociais no Brasil. A espesura da dominação no Brasil em pleno século XXI (regime de escravidão rural, imobilidade social, formas de racismo, concentração estadual de renda gerando colonialismo interno crescente, etc) ganham sua espesura histórica. Trimano converte a fotografia de Christiano Junior - mesmo se nelas os escravos aparentavam não sofrer torturas - numa espécie de diagrama da opacidade social do presente. O esforço é de montagem, cesura. A dolorida história se costura por arames farpados e ramagens de espinho. O Negro se posta como lugar do não esquecido, porque é impossível esquecer." ____________________________________________________________________________ "Em Vigiar e Punir, Michel Foulcault tratou do modo como a criminologia administrou historicamente o corpo dos condenados. Foulcault discutiu a distribuição dos corpos na arquitetura dos presídios, como panóptico, desenvolvido na Europa a partir do século XVIII. Na escravidão, os corpos eram aprisionados por objetos, extensão deles próprios, como os troncos e gargalheiras. Este foi um temário da iconografia européia do século XIX, de artistas como Debret e Rugendas. Trimano trata de modo analítico de uma prisão do corpo pela história. Foulcault e Franz Fanon trataram do indivíduo apropriado pelo medo e pela internalização dos valores e procedimentos da dominação. Por isso, cada desenho de O Negro é um lugar imaginário do corpo. Na série, Trimano intercala seus estilemas - moedas, prato vazio, o peso, os pedaços de fita gomada simulando emendar as partes rasgadas - com uma construção simbólica que se dá como alegoria, metáfora ou também desconstrução do imaginário cordial brasileiro, entre o monumento antropológico de Gilberto Freire e a crítica social de Sergio Buarque de Holanda" / PAULO HERKENHOFF - Rio de Janeiro 26 de outubro de 2004 Trechos do texto de apresentação da exposição "Série "O Negro", estudos sobre a fotografia de Christiano Junior" / Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro - 2005 ___________________________________________________________________

Cabeça I

Cabeça II

Cabeça III

Cabeça IV

Cabeça V

Cabeça VI

Cabeça VII

Cabeça VIII